
Monumento a Antônio João
Lei n. 4.181/2018. “Tomba para o patrimônio histórico e cultural do município, o Monumento a Antônio João e dá outras providências”.

“Dourados, terra de Antônio João”. Você já deve ter visto tal afirmação. Ela está gravada no brasão do município de Dourados. Ou talvez, porque Antônio João nomeia a praça central (e a principal) da cidade. Mas, você já se perguntou: Quem foi? Qual era sua história? O que o tornou o herói conhecido nos meios militares e região? Como foi criada essa figura heroica militar? E mais, como foi incorporada a cidade de Dourados? Tais questões foram base para a dissertação de mestrado de Cremonese-Adamo (2010).
Tenente Antônio João Ribeiro, ou simplesmente, Antônio João, tornou-se herói da Guerra do Paraguai. Morto em combate na Colônia Militar dos Dourados[1] pelas tropas paraguaias em dezembro de 1864. De acordo com Cremonese-Adamo,
aproximadamente às treze horas do dia 29 de dezembro de 1864, chegou à Colônia o destacamento de Martin Urbieta e seus homens, intimando a rendição imediata daquela Colônia. Antônio João tinha consigo catorze homens, que foram facilmente rendidos. É possível que nem toda a guarda estivesse presente no momento do ataque, o que explica o registro da morte do Tenente e de dois soldados somente; o restante dos soldados foram feitos prisioneiros. Do lado paraguaio, um tenente e um soldado foram feridos. (2010, p. 34).
Em Dourados, situado na Praça Antônio João, o Monumento a Antônio João, patrimonializado em 2018, faz referência a este episódio, de acordo com a justificativa do projeto de lei municipal. Construído pelo arquiteto Avedis Balabanian e instalado em 1976. Cabe lembrar que, ao mesmo arquiteto e ao mesmo ano de criação e de tombamento por lei municipal, está associado outro monumento, situado ao seu lado, o Monumento a Bíblia.

A associação a figura heroica do militar, realizada, não por acaso, nos anos 1970, durante a ditadura militar[2], durante a gestão municipal de João Câmara (1967-1970 e 1974-1977), do partido ARENA, base de sustentação do regime militar (Cremonese-Adamo, 2010, p.148-150). No entanto, nada é mencionado sobre isso, bem como ao arquiteto Avedis Balabanian.
Cremonese-Adamo faz questões que também cabem aqui:
Como Antônio João tornou-se o herói símbolo de Dourados? O que havia permitido essa ligação entre ambos? Essas eram perguntas que se juntavam a outras: como os acontecimentos de 29 de dezembro de 1864, na Colônia Militar dos Dourados acabaram sendo relacionados com a cidade de Dourados? (2010, p. 17).
Segundo ela,
[…] não há ligação direta entre esses dois elementos; no entanto é bastante peculiar a aproximação de tais eventos, em especial, a dinâmica adotada para incorporar o Tenente Antônio João Ribeiro como um herói do município, aproveitando-se de sua repercussão regional e nacional, principalmente nos meios militares. (2010, p.17).
E mais,
os questionamentos estão inseridos no ideário de formação de uma identidade local, que elegeu o herói Antônio João como o representante ideal do perfil identitário do mato-grossense almejado pelas elites locais; mas também, está ligada a uma noção de pertencimento nacional, evidenciada na maneira como a região se coloca como defensora fronteiriça. Um dos caminhos para tais observações é a frequente confusão que se instalou dentro da historiografia mato-grossense, que direta ou indiretamente associou, ao longo do século XX, o município de Dourados e a Colônia Militar dos Dourados, apesar da não relação direta existente entre ambos. (2010, p.17).
No entanto,
[…] a intensa repetição ao longo do século XX da grafia diferente da Colônia Militar dos Dourados para Colônia Militar de Dourados possa ser explicada pela mudança do referencial que antes era adotado. Pois quando a Colônia Militar dos Dourados foi criada, em 1856, não havia qualquer sinal do povoado de Dourados, que viria a surgir no fim do século XIX e início do século XX […] Apesar de diferentes universos, temporais e espaciais, não há como dissociá-los totalmente, afinal, estão localizados próximos geograficamente, no extremo sul, se considerarmos o antigo estado de Mato Grosso. Esta gama de possibilidades, interpretações e vieses provocou afirmações equivocadas e incertas sobre a formação histórica da região, especialmente, sobre o município de Dourados […] (2010, p. 123).
Cabe mencionar que, em Dourados, várias são as referências a Antônio João. Além do monumento que foi tornado patrimônio cultural, em 2018, há uma estátua de Antônio João[3] localizada, também próximo a este monumento, na praça que leva seu nome também. A estátua geralmente é confundida, inclusive pelo próprio poder público municipal, com sendo o monumento patrimonializado, em 2018.



Em suma, além da referência a figura de Antônio João no brasão do município, na principal praça da cidade, na estátua e no monumento patrimonializado, há ainda em Dourados, outro monumento associado a figura dele e da Guerra do Paraguai. Situado na Praça Antônio Alves Duarte, também no centro da cidade, junto ao principal terminal de ônibus. Seguindo o modelo da imagem do “Monumento aos Heróis da Laguna e Dourados” localizado na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro[4]. Em Dourados, tal monumento não possui placa de identificação e ao que parece estar inacabado, conforme observado em (Squinelo, 2006; Antunes, 2007).
No entanto, cabe-nos perguntar: Você sabe identificar qual é o Monumento a Antônio João tornado patrimônio cultural em Dourados? Geralmente, é associado a estátua, mas não é. Você sabe quem ele foi e quais relações há com o município de Dourados? Você já se perguntou porque o Monumento a Antônio João foi escolhido entre tantos elementos da Praça que, inclusive leva seu nome, para ser patrimônio? Quais valores são atribuídos ao Monumento a Antônio João? E mais, o que levou a propositura, em 2018, num governo civil, democrático, escolher uma figura, transformada em herói militar num patrimônio cultural em Dourados? Quais foram os critérios escolhidos? Outros monumentos e estátuas estão presentes na Praça Antônio João, tal como chamado “Colono anônimo” por que ele não foi escolhido? Você já se perguntou porque há tantas referências a uma mesma figura? Qual a necessidade de se relembrar constantemente? Se o patrimônio cultural geralmente está ligado a identidade, mas também a diversidade cultural, porque outros sujeitos não são referenciados? Instituições como o exército e a igreja integram grande parte dos patrimônios históricos e artísticos nacionais, assim como patrimônios associados a elite colonial, porém, não há outros sujeitos e grupos sociais que representem a identidade e ou a diversidade cultural em Dourados?
Fontes históricas consultadas:
Lei nº 75/1985 (decreto municipal) “Ficam tombados para o patrimônio histórico de Dourados doze figueiras localizadas na Rua João Cândido Câmara, dezessete figueiras na Av. Presidente Vargas e nove figueiras na Rua João Rosa Góes (entre Joaquim Teixeira Alves e Cuiabá).
“Figueiras já são parte do patrimônio histórico”. O Progresso. Ano XXXIV, nº4058, terça-feira, 24 de setembro de 1985, capa.
“População douradense participa do Cinquentenário do Município”. O Progresso. Ano XXXIV, nº4122, sexta-feira, 2 de agosto de 1985, capa e p.03.
“Semana da árvore será aberta amanhã”. O Progresso. Ano XXXIV, nº4056, sexta-feira, 20 de setembro de 1985, capa.
“Prefeitura entrega na segunda mais de 500 mudas de ipê amarelo”. O Progresso. Ano XXXIV, nº4057, sábado e domingo, 21 e 22 de setembro de 1985, p. 03.
“Começa hoje a exposição de fotos históricas de Dourados”. O Progresso. Ano XXXV, nº4212, quinta-feira, 12 de dezembro de 1985, capa.
Foto: Figueiras (1985). Equipe do projeto PICTEC II/FUNDECT (2022-2023). Projeto “O patrimônio cultural em Dourados através de um website: cidade, cultura e história”, desenvolvido junto a Escola Estadual Floriano Viegas Machado.
Referências bibliográficas (básicas):
ARAUJO, Laura Gondim Nunes Martins de. A Distribuição espaço-temporal e avaliação qualitativa das praças e parques urbanos de Dourados-MS. 2019. 145fls. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados. Disponível em < https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/2555 >
BETONI, Luiz Gabriel Araujo. Arborização Urbana de Dourados/MS: Direitos, Responsabilidades e Efetivação. 2022. 101f. Dissertação (Mestrado em Fronteiras e Direitos Humanos) Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados. Disponível em < https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/MESTRADO-FRONTEIRAS/Disserta%C3%A7%C3%B5es%20Defendidas/LuizGabrielAraujoBetoni.pdf >
LIMA, Pedro Alcântara de. Ocupação do fundo de vale do córrego Laranja Doce na cidade de Dourados: Análise da proposta de criação de um parque ecológico. 1999. Dissertação (Mestrado em Geografia). UNESP, Presidente Prudente.
LUCIANO, Luís Carlos. Ribeiro: arquitetura, urbanismo e meio ambiente; exercício de cidadania. Dourados/MS: Edição do autor, 2008.
MAGALHÃES, Cristiane Maria. O desenho da história no traço da paisagem: patrimônio paisagístico e jardins históricos no Brasil: memória, inventário e salvaguarda. 2015. 414 p. Tese (Doutorado em História) Unicamp, Campinas.
SCIFONI, Simone. “Os diferentes significados do patrimônio natural”. Revista Diálogos. Maringá, v. 10, n. 3, p. 55-78, 2006.
PEREIRA, Danilo Celso. “Patrimônio natural: atualizando o debate sobre identificação e reconhecimento no âmbito do Iphan”. Revista CPC, v.13, n.25, p.34–59, jan./set. 2018.
SILVA, Ênio Alencar da. “Problemática Ambiental” em Dourados/MS: Análise das Políticas Públicas nas Zonas de Interesse Ambiental. 2008. 73f. Monografia (Graduação em Geografia) UFGD, Dourados.
[1] Para Cremonese-Adamo “o Rio Dourados como elemento referencial para o local da criação da Colônia Militar; assim, a denominação dada foi Colônia Militar dos Dourados. Fica, portanto, evidente que a Colônia Militar dos Dourados assim foi chamada por ter sido fundada nas cabeceiras do Rio Dourados, segundo o Decreto, chamado no documento de Rio dos Dourados, sendo esse nome derivado, por sua vez, da abundância, nesse rio, do peixe chamado dourado. O Rio Dourados pertence à bacia hidrográfica do Rio Ivinhema (inserida na grande bacia hidrográfica do Rio Paraná); corre no sentido leste-oeste desde sua nascente, na Serra de Maracaju (atual município de Antônio João), até sua foz no Rio Brilhante. Como já citado, deu nome à Colônia Militar, mas, também ao Patrimônio de Dourados, que depois deu origem à cidade de Dourados, e às Colônias Agrícolas surgidas no município posteriormente. Mas, vale lembrar, essas localidades estavam situadas em pontos diferentes: a Colônia Militar nas nascentes, próxima à Serra de Maracaju, e o povoado, já distante dali pelo menos uma centena de quilômetros”. (2010, p. 122).
[2] Cf. < https://www.dourados.ms.gov.br/wp-content/uploads/2020/09/Dourados-MS_simbolos-municipais-2020.pdf >
[3] A estátua, construída por volta dos anos de 1940 (Cremonese-Adamo, 2010, p. 160; Ernandes, 2009, p.57). Na placa que a identifica, consta que foi reinaugurada, por homenagem da administração municipal de José Cerveira (1982-1983) ocorreu em 1984 já na gestão de Luiz Antônio Alvares Gonçalves (1983-1988). Homenagem já no período de “término” da ditadura militar (1964-1985). Na estátua ainda os seguintes dizeres “Sei que morro, mas meu sangue e dos meus companheiros servirá de protesto solene contra a invasão do solo da minha Pátria”. Embora não haja referência, houve a propagação da existência de um bilhete que o militar teria escrito com tais dizeres, segundo Cremonese-Adamo, na iminência do ataque paraguaio à Colônia Militar dos Dourados. Para ela “a amplitude e o forte apelo nacionalista da frase foram fundamentais para sua popularização e pela importância que adquiriram no processo de construção da figura heroica, já que a frase o imortalizou e hoje é referência obrigatória em qualquer menção ao tenente Antônio João Ribeiro” (2010, p.16).
[4] Construído entre 1920 e 1938, de acordo com Cremonese-Adamo, o Monumento homenageava dois episódios distintos da Guerra do Paraguai: a Retirada da Laguna e o ataque à Colônia Militar dos Dourados. Porém, o primeiro era um episódio mais conhecido dentro do Exército e na sociedade em geral, principalmente por causa da publicação de Taunay; já o segundo tratava-se de um acontecimento praticamente desconhecido, e o Monumento deu notoriedade e ajudou na popularização do episódio de 29 de dezembro de 1864 (2010, p. 158). Ainda, para a autoria, “o Monumento aos Heróis da Laguna e Dourados ter sido fundamental para a popularização da figura heroica do Tenente Antônio João Ribeiro, serviu de base para todos os monumentos em homenagem ao herói subsequentes”. E mais, “existem, por exemplo, pelo menos cinco monumentos “de pedra e cal” significativos envolvendo a figura de Antônio João atualmente em Mato Grosso do Sul: três em Dourados (um na praça que leva o nome do militar e outro na Praça Antônio Alves Duarte, ambos no centro da cidade, e o terceiro em propriedade do Exército98) e dois no município de Antônio João (um no Parque Histórico Colônia Militar dos Dourados e o outro na rotatória que dá acesso à cidade). Todos seguem o mesmo modelo da imagem do Monumento da Praia Vermelha”. (2010, p.158).