
Monumento ao Colono
Lei municipal n. 4.183/2018. “Tomba para o patrimônio histórico e cultural do município, o Monumento ao Colono e dá outras providências”.
O Monumento ao Colono pretende homenagear os colonos da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Durados).

O Monumento ao Colono está localizado no trevo da Av. Marcelino Pires com a R. Wilson Dias Pinho, foi erguido na saída para Campo Grande, próximo aos bairros Santa Maria e Parque das Nações.
O Monumento ao Colono pretende homenagear os colonos da CAND (Colônia Agrícola Nacional de Durados). Os colonos “brasileiros de diversas procedências”, mas que […] tanto as obras acadêmicas como as escritas pelos memorialistas são unânimes em inseri-los na condição de migrantes ou de nordestinos” (Naglis, 2014, p.14 e p. 42). A CAND está inserida no projeto de colonização, intitulada “Marcha para Oeste”, do governo de Getúlio Vargas, durante os anos de 1930 e 1940.
Este projeto de colonização, a ser implementado pelo Estado Novo (1937-1945) dirigia-se a ocupação de territórios considerados “vazios” das regiões Norte e Centro-Oeste, neste caso, especificamente ao antigo sul de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, região da Grande Dourados (Oliveira, 1997, p.17). Esta área abrange atualmente os municípios de Douradina, Dourados, Fátima do Sul, Vicentina, Jateí, Glória de Dourados, Deodápolis e Angélica. Alguns destes municípios, construídos após a implementação da CAND, em 1948.

De acordo com Oliveira, a CAND foi criada através do Decreto Lei n. 5.941/1943 e distribuiu 6.500 lotes de terra de 20 a 50 hectares aos trabalhadores rurais comprovadamente pobres, vindos de vários estados do país, sendo a maioria da região nordeste. Por essa ação, segundo Oliveira, a figura de Vargas assumiu importância significativa na região, cujo desenvolvimento lhe é atribuído. (Oliveira, 1997, p.17; Naglis, 2014, p. 42-43 e 63). Embora, concebida no Estado Novo e efetivamente implantada no governo de Eurico Gaspar Dutra (1945-1950). Quando Vargas assumiu novamente a presidência em 1951 e governou o país até o ano de 1954, a CAND voltou a ser administrada por seu presidente fundador. A partir de 1954, a CAND tornou-se também um projeto inserido nos governos dos presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. É importante elucidar a história da CAND e o contexto histórico e político no qual estava inserida, pois comumente é entendido que se tratava somente de um projeto do Estado Novo, uma criação de Getúlio Vargas. Na verdade, a CAND foi um projeto de colonização que perpassou governos de diversos presidentes brasileiros. Poucos autores destacam esse contexto administrativo e político. (Naglis, 2014, p. 37-38).
Ao tratar da construção de uma memória oficial sobre a CAND, Menezes (2011), aponta para Dourados e para a memória oficial “depositada” em alguns ícones, como o Monumento ao Colono. Cabe mencionar que os “colonos”, migrantes, chegam a região a partir da década de 1950, ocasionando um intenso fluxo migratório ao antigo sul de Mato Grosso. Tais “colonos” vão somar-se a população indígena e a trabalhadores ervateiros, formando um complexo universo de vários elementos históricos que conviveram por algum tempo em um mesmo espaço (Menezes, apud Fernandes, 2008).
Dito isso, em meio a tensões e a contradições, escolheu-se pessoas e valores para serem representados como “pioneiros”. Simbolizando o sucesso, o desenvolvimento e o progresso, os “colonos” foram heroicizados pelas dificuldades que enfrentaram, “abrindo caminhos com as próprias mãos”. Ao mesmo tempo, silenciam outros que já estavam aqui, a exemplo dos povos indígenas, ou melhor, povos originários. Logo, o Monumento que exalta os “colonos” também garante invisibilidade e deslegitima outros sujeitos.
Junto a isso, para Menezes, no caso da CAND, “quem de fato fez desenvolvê-la não foi o presidente Vargas e sim os colonos anônimos que aos milhares para cá vieram, sendo responsáveis na prática pelo desenvolvimento da região e que, contudo, não deixaram seu nome nos anais da História” (2011, p.7). Exemplo de “colono anônimo” é a própria estátua (reconstruída e recolocada na gestão municipal de José Cerveira 1982-1983), que leva este nome e está localizada na Praça Antônio João. Que “colono” é esse? Este sequer é mencionado, por vezes, e não é citado como referência no projeto de lei municipal que patrimonializou o Monumento ao Colono. Inclusive, na justificativa do projeto de lei que propunha a patrimonialização do Monumento ao Colono, nega-se a sua existência. De acordo com a justificativa:
a época da criação do Monumento aos Colonos já havia bens históricos que referenciavam a colônia, mas nenhum especificava os colonos. Pensando nisso a gestão Braz Melo decidiu elaborar a ideia do Monumento aos Colonos, que compreendem cada significado dos detalhes do monumento. (Justificativa. Projeto de lei n. 021/2018).
O Monumento ao Colono está localizado no trevo da Av. Marcelino Pires com a R. Wilson Dias Pinho, foi erguido na saída para Campo Grande, próximo aos bairros Santa Maria e Parque das Nações. De acordo com a justificativa do projeto de lei n.021/2018,

O Monumento representa o desenvolvimento de Dourados e da região, com a vinda dos colonos à CAND. O Monumento em si que é cercado por um aterro com várias floreiras, simboliza o mapa da Colônia, em suas localizações que são hoje os distritos de Panambi, São Pedro, Vila Vargas, Indápolis e ainda as seguintes cidades: Fátima do Sul, Dourados, Glória de Dourados, Deodápolis, Vicentina, Jateí e Douradina com seu distrito Cruzaltina e homenageia a vinda de trabalhadores rurais de várias regiões do País para a região entre esses, paulistas, mineiros, catarinenses, paranaenses e um grande número de nordestinos, posteriormente a migração desses trabalhadores, vieram os japoneses. (Justificativa. Projeto de lei n. 021/2018).



Observamos que, o mapa da CAND à época está inserido em (Gressler; Swensson, 1988, p. 88), compõe o Monumento ao Colono. Além disso, junto ao grande grupo de “nordestinos”, outros migrantes e até imigrantes foram inseridos e referenciados na patrimonialização do Monumento ao Colono, em 2018.

Ainda no projeto de lei,
as mãos estampadas no Monumento ao Colono representam a principal ferramenta de trabalho que o colono dispunha na época para desbravar a região. O Monumento ao Colono é de grande importância, uma vez que cumpre o papel de preservar a memória histórica dos trabalhadores que fixaram na antiga Colônia. Sendo assim, seria de extrema relevância se o Monumento ao Colono fosse mais bem preservado e inserido como patrimônio cultural de Dourados. (Justificativa. Projeto de lei n. 021/2018).
Dito tudo isso, a CAND e a figura de Getúlio Vargas, ocupam uma posição significativa diante daquilo que o poder público municipal considerou como patrimônio cultural local ao longo das últimas décadas (Uliana, 2019). A memória oficial, que por vezes, cita os “colonos”, ao mesmo tempo, os excluí, quando o Monumento ao Colono, geralmente é nomeado “Mão do Braz”. Tal figura é Braz G. Melo. Não por acaso, o Monumento ao Colono foi construído, em 1992, em sua gestão como prefeito de Dourados e patrimonializado pelo projeto de lei elaborado por ele próprio, em 2018, quando exercia o cargo de vereador.
Entre representações, usos e reapropriações o Monumento ao Colono, “conta” a história, também oficial, relacionada a CAND. Erigida apenas por determinados sujeitos. Ignora outros que aqui estavam antes de tal empreendimento. Mas também o ressignifica constantemente. O Monumento ao Colono, por exemplo, é utilizado por pessoas, empresas, instituições, grupos sociais, para vincular sua imagem, marca, atividade a Dourados, mas não o faz de maneira unilateral e hegemônica. Sendo assim, em meio a memória em disputa (Pollak, 1989), a memória oficial sobre a CAND, ainda é perpetuada através da instituição de inúmeros patrimônios culturais, não se restringindo ao Monumento ao Colono.
Pense nisso, quando ao “olhar” a cidade e o Monumento ao Colono, quem de fato está ali representado? Quais representações ele busca legitimar? Quais silenciamentos sobre a história e a memória de Dourados ele evidencia? Quais outras leituras podemos fazer a partir dele?

Fontes históricas consultadas:
“Memorial descritivo” do Monumento ao Colono. 1991. Coleção Patrimônio Cultural. Doação de Braz G. Melo ao Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (CDR/UFGD), 2019.
Projeto de lei municipal n. 021/2018. “Tomba para o patrimônio histórico e cultural do Município, o Monumento ao Colono, e dá outras providências”. Autoria do vereador Braz Melo. Câmara Municipal de Vereadores de Dourados. 12f.
Foto: Monumento ao Colono. Equipe do projeto PICTEC II/FUNDECT (2022-2023). 2023. Projeto “O patrimônio cultural em Dourados através de um website: cidade, cultura e história”, desenvolvido junto a Escola Estadual Floriano Viegas Machado.
Referências bibliográficas (básicas):
LE GOFF, Jacques. “Documento/Monumento”. In: História e memória.7ªed. revista. Campinas: São Paulo. Unicamp, 2013. Disponível em < https://www.ufrb.edu.br/ppgcom/images/sele%C3%A7%C3%A3o_2020.1/LE_GOFF_-_Documento_monumento.pdf >.
GRESSLER, Lori A.; SWENSSON, Lauro J. Aspectos históricos do povoamento e da colonização de Mato Grosso do Sul: destaque especial ao município de Dourados. LAG: 1988.
MENESES, U. T. B. de. (1992). A História, Cativa da Memória? Para um Mapeamento da Memória no Campo das Ciências Sociais. Revista Do Instituto De Estudos Brasileiros, (34), 9-23. Disponível em < https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70497/73267 >.
MENEZES, A. P. Colônia Agrícola Nacional de Dourados – história, memória: considerações acerca da construção de uma memória oficial sobre a CAND na região da Grande Dourados. Revista Eletrônica História Em Reflexão, 5(9). 1-16. 2011. Disponível em < https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/1165 >
MENEZES, A. P. Atividades econômicas na Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND): A agricultura e a exploração da madeira (1950-1970). 138f. 2012. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal da Grande Dourados. Dourados. Disponível em < https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/ANA-PAULA-MENEZES.pdf >
NAGLIS, Suzana Gonçalves Batista. “Marquei aquele lugar com o suor do meu rosto”: os colonos da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND (1943-1960). Dourados-MS: UFGD, 2014. Disponível em < https://files.ufgd.edu.br/arquivos/arquivos/78/EDITORA/catalogo/marquei-aquele-lugar-com-o-suor-do-meu-rosto-os-colonos-da-colonia-agricola-nacional-de-dourados-cand-1943-1960-suzana-batista-naglis-3.pdf >
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CARLI, Maria Aparecida Ferreira de. Dourados e a democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956). Dourados: Ed.UFGD, 2008. Disponível em < https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/1791 >
ULIANA, Marcia Bortoli. O patrimônio cultural multifacetado: tensões, contradições e usos em Dourados (1984-2018). 2019. 337f. Tese (Doutorado em História), UFGD. Dourados. Disponível em < https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2019/11/Tese-M%C3%A1rcia-Bortoli-Uliana.pdf >